NÃO ERA PRA ASSUSTAR, ERA PRA SER POÉTICO

As pessoas são deprimentes! Nunca sabem ao certo o que querem, ou não conseguem diferenciar o querer, do que se é necessário ter.
Simplificando o pensamento: nós os seres humanos catastróficos, não temos ideia do que é preciso ter, saber e/ou como viver. A gente simplesmente vai vivendo, fazendo escolhas e revelando nossos lados multifacetados.
O tempo passa, a gente reclama, se apaixona, desapaixona, entende e quase nunca se sabe explicar.
O que mais me irrita, é que parece que para a humanidade o amor é ponto de referência de tudo e por que tem de ser assim?
Por que as pessoas, acreditam que a felicidade está em outra pessoa?
Por que os indivíduos por mais bem sucedidos que sejam, não estão satisfeitos, sem uma história hipócrita de amor?
Todo mundo sabe, o quanto é prazeroso estar com outro alguém. Mas todo mundo sabe das dores, dos arranhões, das mentiras, do cansaço.
Todo mundo sabe, dos sacrifícios, das traições, dos desgostos da vida a dois.
Claro que amar é um sentimento benéfico, assim como tantos outros. Então porque no lugar do amor, não se pode apenas saborear um chocolate? Ou ainda, fumar muitos cigarros acompanhados de um belo café, desfrutando da companhia de amigos inseparáveis?
Ah, nós os seres humanos aflitos, malditos e insatisfeitos!


Meu nome é Grehgore, tenho 35 anos, vivo na Espanha e começo a minha história...


INFÂNCIA


Aqui no meu país, ou ao menos na minha casa, os valores morais sempre foram de grande importância.
Nossos almoços sempre eram demorados, conversávamos, riamos juntos contando casos de família. Sempre de forma tradicional, sem fugir das regras!
Depois, já quase ao entardecer, levava meu irmão caçula pra passear na beira da praia. Ele adorava recolher gravetos, pra chegar em casa e colocar na lareira, era sua maneira de ser grato pelo dia.
Nesta época, estava eu com uns 16 anos e minha única fonte de prazer, eram os livros, que confesso, são até hoje!
Estou me recordando agora, de um final de semana, que será tema do meu discurso.
Meu pai e minha mãe prepararam tudo! As malas, as cestas com frutas, o carro e estávamos quase prontos pra subir as montanhas. Era inverno, havia neve nas montanhas, o que contrastava com o clima tranquilo da praia.
Como de costume, eu sempre estava atrasado. Precisava terminar de organizar minha mala e ainda não tinha escolhido qual livro levaria pra ler naquele final de semana, acabei pegando dois.


A CABANA


Subindo a montanha daquela cidadezinha interiorana, que já não me lembro o nome. Já começávamos a sentir o frio em nossos narizes e os dedos das mãos estavam congelados.
Avistei de longe uma pequena cabana, muito bonita por sinal! Mas parecia que só havia uma cabana naquele lugar,o que me assustou bastante!
Chegamos e de cara, encontramos um outro carro, parado em frente a pequena casa.
Meu pai meio sem entender, desceu do carro e foi conversar com o outro motorista. Era um senhor, devia ter a mesma idade de meu pai, carregava no carro toda sua família, que era composta por esposa e uma filha.
Os dois conversaram, pouco, muito pouco e notei a expressão de desentendimento no rosto de meu velho.
Ao entrar no carro, ele logo falou que havia algo errado, a cabana tinha sido alugada pra duas famílias e só teríamos duas opções: voltar pra casa ou dividir o mesmo espaço.


DIVIDINDO OS ESPAÇOS


Todo mundo sabe, o quanto é ruim lidar com família, agora imagina lidar com a família dos outros, sendo esses outros, completamente desconhecidos.
Pois bem, foi o que resolvemos fazer, pra fugir da rotina. Aceitamos dividir os espaços, que já não eram dos maiores.
Minha mãe logo se deu bem com a senhora da outra família, já meu pai ainda estava desconfiado com aquela história, mas se deu conta, de que tinha caído em uma armadilha 'do destino' e nenhum ali haveria de ser o culpado.
Meu irmão e eu, riamos da situação, afinal, era engraçado! Já a garota, não dizia nada, apenas observava!
Chamei meu pequeno 'mascote' pra conhecer o lugar comigo e enquanto caminhávamos dentre a floresta, a garota resolveu nos acompanhar e se aproximou com cautela.


A FLORESTA


Era um lugar muito lindo, caminhos estreitos, porém longos. As árvores, quase empedradas por conta daquele frio, embelezavam a paisagem que era presente de Deus.
Os animais, sempre cuidadosos, nos espionavam através dos vãos de cada tronco curvado pelo vento.
A gente percorria, com tamanha fragilidade no andar e muito anseio, pra chegar a um outro lado, do qual não tínhamos menor conhecimento.
A menina não dizia nada, até o exato momento em que levou um escorregão, um tropeço, não sei dizer com precisão. Só sei que senti um aperto forte no braço, era ela, se apoiando em mim pra não cair.
Na hora dei risada, pra mim tudo era hilário e eu um menino bobo, sem maturidade.Acho que ela se irritou e logo largou meu braço que lhe servia de apoio. Não dei importância e continuei a andar.
Caminhamos por mais ou menos uns trinta minutos e ouvimos gritos dos nossos pais, era hora de almoçar. Voltamos pra cabana, sem muito o que dizer, mas os três encantados com o que vimos.


OS LIVROS


Depois do almoço, resolvi que começaria a ler um dos livros que levei comigo. A garota, que já tinha um nome, não por ter ouvido da boca dela, mas de sua mãe, me pediu o outro livro que por descuido, deixei cair da bolsa. Claro que emprestei, com muito ciúme, confesso, mas entreguei as mãos de Júlia, sim esse era o nome dela.
Júlia pegou o livro e seguiu em direção a floresta, mesmo com todo aquele frio, ela fazia questão de ficar só.
Da janela da cabana, conseguia avistar a menina com meu livro na mão. Ela o lia, como se não existisse mais nada no mundo, além dela e daquela história.


JÚLIA


Devia ter uns 18 anos, certamente era mais velha que eu. Muito solitária, ou não queria estar ali naquele momento. Júlia se fazia de insana, ficando lá fora, com aquela temperatura tão baixa. Eu não entendia nada, mas também evitava perguntar.
Teve um momento, em que eu ainda a olhava pela janela, e percebi que ela me notou e fingiu não me ver.
Continuei a ler o livro e quando vi, já era noite e ao olhar novamente pro lado de fora, não vi mais Júlia.
Todos estavam na sala, frente a lareira, fugindo do frio que fazia naquela noite.
Bebiam vinhos e comiam pães. Já pareciam uma família só! Meu irmão dormia, devia estar cansado, era tão novinho. Júlia bebia vinho junto aos pais, não falei? De certo era mais velha que eu, já que eu nem bebia!
Ela ria das histórias dos mais velhos, como sendo parte delas. E até trocou palavras com meu pai, sendo irônica quando ele falava que já havia caçado por aquelas bandas.
Nossas mães já eram amigas, falavam de receitas e de festas natalinas. 
Júlia me olhou por um momento e sorriu, nem sei por que. 
Antes de dormir, costumava me olhar na frente do espelho, pra ver se tinha crescido mais um pelo no rosto. Não sei, mas naquela noite, fiz o mesmo, me esquecendo de que não estava em casa.
Júlia me viu, se aproximou vagarosamente  e disse que achava graça, e que os homens são todos iguais!
A gente rio da situação, fiquei todo sem graça, desconcertado, era algo só meu, muito íntimo, mas ela já sabia do meu segredo.


CONFISSÕES


Quando me dei conta, Júlia e eu conversávamos por horas, era madrugada, todos já dormiam menos nós. O barulho da montanha me assustava, porém Júlia se deliciava com o vinho e nem parecia ouvir o som lá de fora.
Ela queria saber o que eu gostava de fazer, com quem eu costumava passear, quais os meus interesses morais. Já eu, não perguntava nada a ela, não cabia perguntar. Estava meio maravilhado com aquela garota, ela era diferente das outras da escola.
Teve um momento, em que ela me disse que já havia concluído os estudos e que precisava decidir que faculdade cursar. Notei a tristeza em seu olhar ao dizer aquilo, mas nem comentei.
A conversa se estendeu e amanheceu, enquanto ainda estávamos nos conhecendo.


A CAMINHADA


Depois do café da manhã, Júlia me chamou pra caminhar. Peguei minha mochila e fomos entrando na floresta, como dois aventureiros. A gente caminhou muito, até cansarmos e decidirmos parar!
Júlia disse que precisava ir ao banheiro, sabíamos que não tinha banheiro algum ali, ela sorriu e correu entre o bosque. Fiquei quieto, a sua espera. 
Enquanto isso, peguei meu livro e sem sentido, arranquei uma página. Na qual dizia:


"Vasculho inúmeras vezes dentro de mim e juro, que só retomo o caminho de fora, quando não caibo mais nas gavetas quem um dia couberam a mim."


Quando percebei que Júlia estava voltando, rapidamente resolvi colocar a página do livro, entre os galhos de uma árvore próxima dali.
Não sei realmente o que me deu, mas queria que fosse poético!
Júlia nem reparou e continuamos a caminhar. A cada parada que faziamos, eu procurava encontrar uma forma de arrancar outra e mais outra página do livro, pra deixar em algum lugar, na intenção de que Júlia encontrasse. Mas eu nem sabia o motivo de estar fazendo aquilo. Que confuso era eu.


MEDO


Era quase noite, precisávamos voltar pra cabana. Júlia estava nervosa, ansiosa eu acho. Eu estava com medo, de não chegar a tempo, anoitecer e nós dois ali, no meio do nada.
Na volta, Júlia foi encontrando as páginas que rasguei do livro. E começou a me perguntar, se eu tinha feito aquilo. Fiquei sem jeito e disse que não tinha sido eu. Ela não acreditou é claro, disse que eu era bobo,infantil e estraguei um livro, por nada.
Como por nada? Era pra ser poético!
Ela já havia ficado nervosa, foi recolhendo as páginas pelo caminho, sem trocar uma sequer palavra comigo. Mas mantive minha história e disse que não tinha sido eu. Claro que já estava tudo muito patético. Eu sendo um bobo e Júlia me achando ridículo!
Ao chegarmos em casa, fui procurar meu livro na bolsa e pra minha surpresa ele não estava lá. Corri até ela e começamos a brigar. Um odiando o outro por conta do mal feito!
Não foi Júlia quem pegou meu livro, de alguma forma eu sabia daquilo. Porém, pra aliviar minha consciência e ser mais patético ainda, resolvi culpar a garota.
Ela com a fúria no olhar, me fritando, gritou: "Idiota!"


LÁGRIMAS


Comecei a chorar, ela ria de mim, me torturava com as palavras. 
Me apaixonei por ela, mas não entendia nada. Só queria que fosse poético!
Júlia se virou, se afastou e pediu aos pais que fossem embora antes do previsto. Os pais disseram que não, que faltava pouco, era só mais um dia. Júlia irada, colocou seus fones de ouvido, se limitando a ela e ao seu mundo.
Resolvi me afastar também, se ela não entendia, não seria eu, mais idiota de ficar em seus pés, derretido, como um louco apaixonado.
Dormimos, um distante do outro...


DESPEDIDA


Pela manhã, Júlia forjou estar passando mal. Queria ir embora de qualquer jeito e mentiu pra conseguir fugir dali. Assim o fez, se foi pra sempre!
Saiu rapidamente, sem se despedir de mim. Olhei com dor no peito, sem querer que ela fosse, sentindo perder o que nunca tive.
Fiquei assustado, estava sentindo algo novo e agora sozinho, com tudo aquilo só pra mim, sem ninguém pra dividir...
Foi quando percebi que...


"Só sinto falta, quando sinto que já estou dentro."


JUVENTUDE


Depois desse amor, resolvi que só amaria novamente, se fosse a mim mesmo. Egoísta, eu sei!
Passei minha juventude inteira na sacanagem!
Sem amar, sem querer ser amado. Desejando as mais belas mulheres, mentindo, flertando até com rapazes, só pra saber como era.
Bebi tanto aos 20 anos. Acho que fui pego pela cirrose nessa pouca idade.
Aos 25, descobri que estava com AIDS. Tudo bem, morrer jovem seria poético!
Minha vida, seria uma linda poesia, só que bem curta! 
Poético, poético...
Tudo o que eu sempre quis, era que fosse poético!


(DES)AMOR


Todo mundo me conhece agora! Todos sabem o que eu faço, o que eu já fiz! Com quem já transei, com quem ainda vou transar!
Todo mundo sabe! Mas ninguém queria saber!
Sabem que minha vida está acabando, mas sabem também que ela nunca acaba!
Não sei que ironia é essa, que não me deixa morrer!
Só sei que não morro! 
Que engraçado! Continuo o mesmo cara patético, desde sempre tive 16 anos. A diferença, é que dessa vez, sou um cara patético, porém, poético!


POÉTICO


Mentiras! Traições! Tiro no peito e no pé!
Dores, muitas dores. Além das dores da alma, agora ainda tenho essa quimioterapia maldita!
Mas tudo tão lindo e poético!
Esse sou eu, um cara sofrido, que sofre, mas sofre de um jeito lindo, poético!


"Não era pra assustar, era pra ser poético"


Kim Walachai











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